Algumas
pessoas parecem precisar agir como se sempre soubessem tudo a respeito de dores
que nunca tiveram que suportar. Dão “conselhos” sobre como se livrar de
depressões que nunca tiveram, julgam a criação dos filhos alheios mesmo sem
nunca terem tido um, sabem exatamente como salvar os relacionamentos, o que há
de errado na família do vizinho e até opinam sobre o processo de luto –
independente de já terem perdido alguém ou se cada pessoa age e sente de forma
diferente. Uma coisa é certa: boa parte dessas pessoas parece morar na Meadows
Creek de O Ar que Ele Respira.
Elizabeth
é uma jovem mãe lutando para respirar a cada dia por sua filha Emma, depois da
trágica morte de seu esposo, Steven, em um acidente de carro. Ela retorna à
Meadows Creek, a pequena cidade que vivia com o marido, depois de um ano
conturbado morando com sua mãe. Tristan Cole, seu novo vizinho, é o ermitão da
cidade: ríspido, grosseiro com qualquer pobre alma que apareça em sua frente e
o motivo favorito de fofocas na cidade. Pouco se sabe de seu passado e esses
dois personagens amargurados, aparentemente incapazes de recomeçar suas vidas,
vão descobrir que apesar do preço alto que vida cobra, viver ainda é a única
resposta possível.
Se
os romances costumam terminar no “e viveram felizes para sempre”, O Ar que Ele Respira parece um pouco com
a vida real nesse caso, pois começa justo quando a ideia utópica de Amor
supostamente teria se tornado impossível. Se possuímos o “direito” de apenas um
único grande amor na vida, o que fazer quando este é tirado de nós? Até que
ponto um coração destroçado pode voltar a bater de verdade, a abandonar os
sentimentos de culpa e tristeza por desejar recomeçar, seguir em frente, se
interessar novamente por alguém? Como não ficar preso eternamente ao luto, não
só por conta do sofrimento da perda, mas até pelas convenções sociais, que
querem ditar o “certo” e o “errado” até aí?
A
jovem autora conta com maestria uma história forte, recheada de momentos
bonitos e assustadores, encaixando-os como se fossem peças de um quebra-cabeça
que só vemos com totalidade nas últimas páginas. É uma característica típica de
romances policiais que Brittainy C. Cherry adapta com muita naturalidade, sem
precisar recorrer a algum “mistério a ser resolvido” ou “quem matou quem”. Esta
é uma autora que escreve de fato do seu coração para o coração do leitor e é
impossível ficar indiferente!
Além
de nos envolver com seus protagonistas, a autora dá brilho extra aos seus
coadjuvantes, como a louca, desbocada e ferozmente leal Faye, melhor amiga de
Elizabeth; a pequena Emma e sua obsessão por zumbis e monstros; Sr. Henson, o
excêntrico dono da loja esotérica onde Tristan trabalha; e tem amor até mesmo
para Zeus, o labrador do protagonista e parceiro de aventuras da filhinha de
Elizabeth. Apesar do foco no amor romântico, os outros tipos de amor não são
esquecidos ou descartados como menos importantes, porque a verdade é que
precisamos de todos eles para respirar de verdade.
Elizabeth
e Tristan caminham um na direção do outro sem perceberem, se unindo pelas
lembranças de seus amores perdidos, procurando o que era conhecido, achando que
isso iria acalmar um pouco seus corações, mas encontrando algo inesperado e
lindo. Nada neste livro tem a pretensão
de ser perfeito: coisas ruins acontecem com pessoas boas, tragédias pessoais
podem ser revividas como pesadelos diários e, para o melhor ou pior, podemos
sim conseguir amar de novo e viver plenamente.
Se
são as pequenas lembranças do passado que matam lentamente o coração em luto,
também são os pequenos gestos de amor no presente que o trazem de volta à vida.
Como bem disse a autora, não estar sozinho faz com que estar vivo seja mais
fácil e eu espero de coração que a cada sofrimento que sejamos obrigados a enfrentar,
nos seja permitido encontrar como Emma, nossa cota de plumas mágicas.
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