Chegamos ao terceiro volume
da Série Elementos, que pode ser lido de forma independente de seus volumes
anteriores. Clique nos links para ler as resenhas de O Ar que Ele Respira e AChama Dentro de Nós.
Depois de certo tempo, o
leitor acaba se acostumando ao estilo de escrita e de narrativa de um autor, e
com Brittainy C. Cherry não é diferente. O que torna este volume tão especial aparece
logo ao abrirmos suas primeiras páginas e nos depararmos com uma Nota da Autora
que ao explicar seu carinho especial pelo livro por conta de suas semelhanças
com a protagonista, Maggie May, Brittainy acaba por mostrar um pouco de si num
relato pessoal emocionante. E é a partir de sua experiência que nasce esta
história a respeito de traumas infantis e adultos, ataques de pânico, mudez
emocional, medos imensos e os sentimentos de inferioridade, de não ser merecedor
do amor, de ser feliz ou de ter sucesso.
“Então,
escrevi este livro para mim, mas não só para mim. Eu o escrevi para todas as
Maggies do mundo que, às vezes, se sentem perdidas e sozinhas. Para quem se
sente invisível. Para quem tem ataques de pânico à noite, na escuridão do
quarto. Para quem chora até dormir e acorda com o travesseiro manchado de
lágrimas. Este livro é para você. É a sua âncora”.
O uso do termo “âncora” não
é à toa, pois é agarrada a um colar com o símbolo náutico, presente de seu
melhor amigo e amor de sua vida, Brooks Griffin, que Maggie May procura se
manter à deriva, desde que testemunhou algo terrível quando criança e que a fez
perder a voz. Sua família lida com a situação do jeito que cada um consegue - o
que raramente significa ser a melhor maneira – e após diversos tratamentos,
parecem resignados ao fato de que Maggie, talvez, jamais volte a falar. Para
piorar a situação, ela desenvolveu uma fobia séria e está há oito anos sem
conseguir sair de casa, sofrendo sozinha com pesadelos, paralisantes ataques de
pânico que procura esconder de todos e uma batalha mental que não parece ter
fim.
Seu alívio diário e amigos
inseparáveis são os livros, que preenchem cada canto de seu quarto e a levam
para as aventuras que não pode viver por si mesma. Um dos poucos que jamais
deixou seu lado, desde os dez anos de idade, é Brooks, que se esforça
continuamente para se conectar à amiga, para encontrar e ouvir sua voz mesmo em
meio ao seu silêncio. Gradativamente, os sentimentos vão se transformando em
amor, mas como sobreviverá a todos os desafios da vida de jovens adultos impostos
a eles? Será que é possível vencer os enormes obstáculos em seus caminhos ao
longo dos anos?
Emocionalmente falando, esta
história ressoou dentro de mim profundamente, já que lido com questões
semelhantes e em diversos momentos, trechos inteiros pareciam ter sido tirados
diretamente de dentro da minha cabeça, o que me levou a chorar muito durante a
leitura. É impossível não respeitar e admirar a força e a dignidade no silêncio
de Maggie May, que se esforça para se manter de pé todos os dias, assim como é
impossível não se apaixonar por Brooks perdidamente. Sua doçura, gentileza,
confiança na capacidade e inteligência da jovem, aspectos que parte de sua família
acaba por negligenciar quando a enxerga apenas como alguém “quebrado”, são
parte da realidade de muitas pessoas que lidam com doenças mentais e traumas na
vida cotidiana.
O
Silêncio das Águas costura uma narrativa densa, cheia de
camadas que comportam todos os seus personagens e suas questões. Por conta de
sua mudez, Maggie May muitas vezes é testemunha involuntária dos traumas e
dificuldades daqueles ao seu redor, como seus irmãos Calvin e Cheryl, a
rabugenta vizinha inglesa, Sra. Boone, seus pais e o próprio Brooks. Eles podem
não ter perdido literalmente suas vozes, mas pagam outros tipos de preço, com
cada um tendo sua cota de adversidades extremas.
Relações abusivas,
dificuldades em elaborar o luto, crises no casamento, a coragem de deixar livre
para seguir seus sonhos a pessoa que você ama, amizades sinceras, complexas
interações familiares, perdas irreparáveis, sentimentos de culpa: a quantidade
de temas encontrados nesse livro é enorme e é impressionante ver alguém tão
jovem quanto Brittainy C. Cherry navegar por tantos assuntos espinhosos com
tamanha naturalidade. Mas, daí me lembro da Nota no início do livro. A autora
americana é uma escritora de talento, mas por ter vivido sua própria
experiência traumática, possui um tipo de conhecimento que não pode ser
transmitido, somente vivido.
Li muitas resenhas e
comentários de outros leitores criticando a construção da personagem, suas
decisões e até mesmo se o trauma era tão “traumatizante” assim ou se foi um
exagero dramático. Isso é muito natural, já que quem nunca viveu algo similar
JAMAIS irá entender. Brittainy sabia disso tão bem, que dedicou o livro
justamente aos que podiam compreender. Se você tem a sorte de nunca ter passado
por nada assim, que este volume da série sirva como um necessário exercício de
empatia e aprendizagem. Afinal, nunca se sabe se ao seu lado, nesse exato
momento, há alguém precisando desesperadamente de uma âncora, de alguém que
ouça seu silêncio. De alguém que acredite, mesmo quando a própria pessoa é incapaz de acreditar em si mesma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário